quarta-feira, 11 de março de 2009

Penso? Se penso, logo busco


Muitas pessoas recorrem ao pagamento de terceiros para pensarem em seu lugar. Tornamo-nos uma sociedade dependente do ponto de vista de especialistas. O espaço que nos é concedido para refletir, entreter-nos e questionar sobre os mistérios do dia-a-dia encolheu."Michael R. Legault

Parece que uma característica de nosso tempo, aliás, bastante acentuada, é a de nos livrarmos de problemas o mais rápido possível, ainda que tenhamos de pagar caro por isso. Claro que, implicitamente, encontra-se a questão de escaparmos de maiores responsabilidades.

Por exemplo, se seu filho está tomando e solicitando mais do que você pode dar a ele, contrate uma boa escola, leve-o ao psicólogo, matricule-o em mais um curso qualquer; ao menos, enquanto estiver por lá, a responsabilidade será deles.

No ambiente de trabalho, para que ficar se ocupando com tanta pressão e cobrança? Repasse a outrem sempre; se errar, inclua o outro, livre-se da responsabilidade. E, de quebra, saliente sua capacidade de delegar ou trabalhar em equipe!

Se, em sua vida pessoal, estiver enfrentado problemas e encontrar-se cansado demais e/ou com medo de assumir a responsabilidade da decisão, simples: vá a um psiquiatra, um clínico geral, pegue algumas pílulas de "felicidade" e exija que eles mostrem qual a melhor decisão a ser tomada. Para os crentes, fica ainda mais fácil; afinal, para que se tem um pastor? Nada como uma visitinha ao gabinete pastoral. Lá se expõe o problema e espera-se que ele dê a solução.
A máxima, bem disfarçada, é "terceirize suas responsabilidades e livre-se de incômodos". Não perca tempo pensando, aja. Sem dúvida, nossa arrogância ou ignorância atrapalham muito nossa vida. Buscar a ajuda das pessoas pode ser fundamental, mas a preocupação é essa tendência geral de nos acomodarmos, fugirmos da responsabilidade, uma espécie de preguiça generalizada. E ainda nos achamos eficientes por "resolvermos" rapidamente os problemas. Um verdadeiro perigo!

Poderíamos dizer que existe até uma acerta recusa moderna (pós ou hiper) a pensar. Como diria Rubem Amorese em seu livro Excelentíssimos Senhores, vivemos um "charmoso irracionalismo intimista: não pense, sinta; não entenda, usufrua; não busque, receba; não caminhe, vibre; não se esforce, relaxe; não compreenda, intua. E você será tão mais moderno quanto mais conseguir viver essa irracionalidade esotérica".

O famoso cineasta norte-americano David Lynch, 62 anos, esteve no Brasil em 2008 pela primeira vez. Sua visita, no entanto, não foi para falar de cinema, nem para tirar férias, mas sim especificamente para a divulgação do livro Em Águas Profundas: Criatividade e Meditação. Publicado nos EUA em 2006, virou best-seller. Em toda e qualquer entrevista, ele não pára de falar sobre os benefícios da meditação: "É dinheiro no banco. Não tem erro. Meditar é como mergulhar em um cofre cheio. Cada vez que vai lá, consegue pegar umas moedas", diz ele à revista Serafina (jornal Folha de S.Paulo - agosto 2008). E continua, sendo taxativo: "Apenas faça, depois siga com a sua vida e veja tudo melhorar". Ele tenta esclarecer: "Não é religião, não é culto, é uma técnica que permite que você chegue até a felicidade infinita, a inteligência infinita, a criatividade infinita, o amor infinito. A negatividade vai embora e leva junto a depressão, a melancolia, o desejo de vingança. Você medita e, BUM!, atinge a iluminação". Ousado, ele quer parceiros para incluir a meditação transcendental no currículo de escolas e universidades brasileiras.

Veja que, segundo ele, parece que todos os problemas serão resolvidos através da meditação transcendental. Desde depressão até questões financeiras, basta meditar - eis a solução pra tudo. A proposta é bem diferente da meditação cristã, que há séculos vem abençoando o povo de Deus. Aqui no Brasil, Osmar Ludovico (leia Meditatio - Ed. Mundo Cristão) tem sido um dos que nos ajuda a compreender sua importância e significado para a vida em Cristo.

Parece que Richard Foster (Celebração da Disciplina) estava certo ao afirmar que "a superficialidade é a maldição de nosso tempo" . Nossa estranha e confusa época tem apresentado soluções bastante questionáveis, porém - como o pensar não anda em alta e, às vezes, é tido até como ofensivo -, muitos têm aderido. Sedentos pelo caminho mais largo, por repostas instantâneas, soluções mágicas, regras que facilitem a vida, muitos têm aderido às propostas mais malucas.

O perigo, tão grande ou maior, se mostra em algumas propostas parecidas, mas com roupagens "cristãs"; como, por exemplo, a teologia da prosperidade, que tanto cresceu em nosso país, ensinando ao povo que basta ter fé e saber bem usá-la numa negociação com o divino.

Ao que tudo indica, a facilitação da vida, preferencialmente com respostas rápidas, fáceis e que funcionem, exerce um fascínio muito grande sobre a humanidade. Se funciona por pouco tempo, se apenas mascara algo muito maior que precisa ser tratado, se inibe o desenvolvimento em outras áreas, se outros são prejudicados; isso tudo parece pouco importar.

O sociólogo e mestre cristão Paul Freston, em seu livro Fé Bíblica e Crise Brasileira, insiste: "Ser evangélico deveria significar ser radicalmente bíblico. Ao invés de fetichizar a Bíblia, honrando-a como símbolo, temos de levá-la a sério, por meio do trabalho árduo de interpretação e aplicação".

É importante observarmos o que o apóstolo Paulo nos diz a respeito de um culto racional, de cristãos que não tomam a forma deste mundo e - vale considerar, em nosso caso - não aderem ao "jeitinho brasileiro" (Rm 12.1,2). E também o vemos admoestando os irmãos em Corinto: "Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também com o entendimento" (1Co 14.15). E ainda não suaviza quando pede com toda a autoridade: "Tornai-vos à sobriedade, como é justo, e não pequeis; porque alguns ainda não têm conhecimento de Deus; isto digo para vergonha vossa" (1Co 15.34).

Que Deus nos ajude a termos bom senso diante de dias tão turbulentos, com pessoas tão apressadas e prontas a aderirem a propostas perigosas, optando por viver sem refletir mais seriamente e transferir responsabilidades a outros. Que haja em nós um sentimento saudável de estranhamento, que nos leve a pensar com maior profundidade, que nos encoraje a observar nossos dias mais criticamente e nos anime a rever posturas e discernir melhor nosso tempo. Que o Espírito de Deus tenha a liberdade de nos incomodar e nos guie a toda verdade.



Por Taís Machado, psicóloga, Mundo Cristão