terça-feira, 13 de julho de 2010

Em caso de ARREBATAMENTO...


Hermes Fernandes

“Em caso de arrebatamento, este carro vai ficar desgovernado”. Esta frase é encontrada adesivada em muitos automóveis em nossas cidades. Para os não-evangélicos não faz o menor sentido. Mas para os evangélicos, principalmente os pentecostais, esta frase denota a crença na doutrina do arrebatamento secreto, defendida pelo sistema dispensacionalista de interpretação bíblica.

Segundo este sistema, a volta de Cristo seria dividida em duas fases, a primeira seria secreta e destinada unicamente aos crentes, enquanto a segunda seria pública e aconteceria sete anos depois dos crentes serem arrebatados e levados para o céu.

Os mais antigos se lembram de um hino cujo título era “O Rei está voltando”. Entre suas estrofes, se dizia que o mercado ficaria vazio (e não seria pela alta dos preços!), os aviões cairiam pela ausência súbita dos pilotos. Enfim, o mundo ficaria em polvorosa, e a mídia não se ocuparia com outra notícia que não fosse o desaparecimento de milhões de crentes pelo mundo a fora. Alguns defensores das teorias de conspiração afirmam que a mídia reportaria o desaparecimento súbito de milhões de crentes como um caso de abdução em massa promovida por discos voadores (sic).

Cresci ouvindo isso. Ficava atormentado quando meus pais tocavam na vitrola o disco “A última trombeta”.

Depois de crescidinho, deparei-me com outros sistemas de interpretação, e mesmo formado em Teologia, já tendo dado aula de Escatologia em um seminário, decidi rever meus conceitos.

Dei-me conta que a doutrina do arrebatamento secreto não consta das Escrituras, e foi inventada há pouco mais de duzentos anos, por um inglês chamado John Nelson Darby (1800-1882), e tornando-se febre entre os cristãos evangélicos por causa dos comentários de rodapé da Bíblia de Scofield. Mais tarde, descobri que tal interpretação já havia sido seminalmente engendrada trezentos anos antes pelo jesuíta espanhol Franscisco Ribera (1537-1591). Por quase três séculos, tal teoria ficou confinada à Igreja Católica Romana, até que, em 1826, Samuel R. Maitland (1792-1866), que era bibliotecário de Canterbury, publicou um panfleto em que promovia a idéia de Ribera.

Mas o que mais me incomodou com esta doutrina não é sua origem, mas os seus efeitos colaterais. Até o seu surgimento, os cristãos estavam engajados na transformação do mundo. Grandes nomes da ciência eram cristãos devotos. Universidades como Havard, Princeton, Oxford, foram fundadas sob a égide dos ideais do Reino de Deus. O surgimento do Dispensacionalismo alimentou o processo de secularismo, fazendo com que os cristãos recuassem, e cedessem espaço aos céticos.

Antes fosse o carro ou o avião que ficasse desgovernado em caso de arrebatamento. Em vez disso, o que ficou desgovernado foi o Mundo. A Igreja deixou de ser o sal da terra, a luz do mundo, para tornar-se numa sub-cultura, num gueto religioso. O que muitos cristãos contemporâneos parecem ignorar é que cada passo que a igreja dá pra trás, é espaço que ela cede a Satanás.

Se antes a Ciência era praticada por cristãos convictos, hoje está nas mãos dos ateus. Pra quê fazer ciência, se o mundo está prestes a acabar? Por que nos envolver com questãos como preservação ambiental, justiça social, ética, se as coisas têm mesmo que piorar para apressar a volta iminente de Jesus?

A febre dispensacionalista alcançou um novo apogeu recentemente com o lançamento da série “Deixados para trás”, de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins (Acho que a série deveria se chamar “Passados para trás”).

Pregadores bradam de seus púlpitos: “Somos a última geração! A geração do arrebatamento!” Mas se contradizem quando gastam milhões na construção de catedrais suntuosas.

Às vezes penso que por trás do avanço do dispensacionalismo há uma verdadeira conspiração para coibir a marcha vitoriosa da Igreja de Cristo na História.

Encruzando os braços, os cristãos estão entregando o mundo às baratas. Desistindo de lutar pelas próximas gerações. Isso sim é que podemos chamar de alienação.

Se os leitores da Bíblia comentada por Scofield deixassem de dar crédito àquilo que está em seu rodapé, e começassem a ler mais o conteúdo das Escrituras, talvez houvesse uma revolução. O problema é que estamos condicionados a uma leitura. E qualquer um que faça uma leitura diferente é logo tachado de herege.

Por desconhecerem a história, ignoram que muitos dos escritores cristãos aclamados também esboçavam uma escatologia esperançosa quanto ao futuro do Mundo. Gente como Spurgeon, Whitefield, Wesley, Calvino, Lutero, Loyd-Jones, Jonathan Edwards, os puritanos, e tantos outros, criam no avanço do Evangelho e na eventual conversão das nações a Cristo. Era a isso que chamavam “avivamento”.

Aos vidrados em teorias de conspiração devo informar que vocês estão sendo vítimas da maior de todas elas. Esqueçam “Deixados pra trás”! Olhem para Cristo, o Cavaleiro Fiel e Verdadeiro, que saiu “vencendo e pra vencer”.

Um dos cânticos mais cantados pelos cristãos ao redor do mundo foi composto por alguém que tinha esta esperança. Ele diz:

já refulge a glória eterna,
De Jesus, o rei dos reis;
Breve os reinos deste mundo,
Seguirão as Suas leis;
Os sinais da sua vinda,
Mais se mostram cada vez;
Vencendo vem Jesus!

Glória, glória, aleluia (3x),
Vencendo vem Jesus!

O clarim que chama as crentes,
A batalha já soou;
Cristo, à frente do seu povo,
Multidões já conquistou;
O inimigo em retirada,
Seu furor patenteou;

Vencendo vem, Jesus!

E por fim entronizado,
As nações há de julgar;
Todos grandes e pequenos,
O juiz hão de encarar;
E os remidos triunfantes,
Em fulgor hão de cantar:
Vencendo vem Jesus!

Sinceramente? Prefiro este hino àquele que estimula os crentes à irresponsabilidade com o futuro da Terra.

Recomendo que os leitores deste blog busquem comparar o sistema dispensacionalista com outros sistemas de intepretação da Escatologia Bíblica. Vocês se surpreenderão.

Fonte: Genizah